Morreu o Nobel da Literatura alemão Günter Grass

14-04-2015 11:12

O escritor alemão Günter Grass morreu aos 87 anos, informou nesta segunda-feira a sua editora Steidl. O Prémio Nobel da Literatura morreu no hospital da cidade de Lübeck, na Alemanha.

Tinha acabado há poucos dias de terminar um livro de contos, poemas e desenhos, estava “cheio de planos literários” para o futuro próximo, e a sua morte apanhou os mais próximos de surpresa, disse ao PÚBLICO a directora do Instituto Alemão de Lisboa, Claudia Hann-Rabe, que logo após a morte do escritor falou com a sua secretária. “Estava de férias, voltou a Lübeck para se tratar desta infecção respiratória, tomou antibóticos durante um dia ou dois, e morreu de forma completamente inesperada”, diz Claudia Hann-Rabe.

 

Ainda segundo as informações recolhidas pela directora do Instituto Alemão de Lisboa, o funeral de Günter Grass será uma cerimónia “muito privada”, mas está já a ser preparada uma sessão oficial de homenagem ao escritor, que deverá ocorrer no dia 1 de Maio, data ainda sujeita a confirmação.

“Isto é muito triste. Um verdadeiro gigante, inspiração e amigo”, escreveu no Twitter o escritor Salman Rushdie.

Günter Grass foi ao longo da vida uma personagem controversa, algumas vezes contraditória, mas sempre com o cuidado (ou foi o acaso que assim o quis) de não se afastar muito daquilo que é “politicamente correcto” para o momento. Grass, um homem de esquerda que no debate público sempre criticou ferozmente os defeitos da Alemanha, foi visto por muitos, durante mais de 30 anos, como uma espécie de “consciência moral da nação alemã”.

A publicação do primeiro volume da sua autobiografia Descascando a Cebola(Casa das Letras, 2007), que descreve o período entre 1939 e 1959, quase atingiu a dimensão de escândalo nacional com a revelação de que aos 17 anos de idade se alistara voluntariamente nas SS. Mas a sua “honestidade tardia”, como alguns lhe chamaram, acabou por não manchar muito a imagem dos que sempre o viram como uma figura livre e desassombrada com os traumas alemães.

Depois de Descascando a Cebola, o escritor alemão escreveu A Caixa (Casa das Letras, 2009) para continuar a falar da sua vida, agora focando-se mais no campo familiar e não no político. Günter Grass escreveu aqui sobre o período entre 1959 e 1999, ano em que lhe é atribuído o Nobel, por retratar “a face esquecida da história”. Para a Academia Sueca, Günter Grass concedeu um novo começo à literatura alemã, “depois de décadas de destruição linguística e moral”.

Em 2011, com a publicação do terceiro volume da autobiografia, ainda inédito em português, Grimms Wörter. Eine Lieberserklärung (As Palavras dos Grimm. Uma declaração de amor), o escritor deu por terminada a sua longa actividade literária. Precocemente, como se constata pelo novo livro que afinal escreveu e deixou pronto a publicar. Quando da apresentação deGrimms Wörter em Bamberg (uma pequena cidade no norte da Baviera),disse numa entrevista ao PÚBLICO: “Falta-me o ânimo para escrever. Acabou o meu prazo de validade. Já escrevi tudo. Na minha idade, já se começa a ficar surpreendido quando chegamos à próxima Primavera. E eu sei o tempo que um livro pode demorar a escrever.” Mais adiante deixou um recado aos jovens escritores: “A minha geração parece ser a última que foi activa politica e socialmente. Os escritores mais jovens, especialmente os da última geração, parecem já não querer saber. Fazem mal, porque há cada vez mais temas onde poderiam ser úteis intervindo. E muitas razões para o fazerem.”

Membro da Academia das Artes de Berlim, Günter Grass, que ganhou o reconhecimento internacional com O Tambor de Lata, publicado em 1959, recebeu, além do Nobel, distinções tão importantes como o Prémio Literário Príncipe das Astúrias, o Prémio Internacional Mondello ou a Medalha Alexander-Majakovsky.

O Tambor de Lata é o primeiro volume da chamada Trilogia de Danzig (os outros são O Gato e o Rato e O Cão de Hitler), em que Grass recria com ironia e humor cáustico o ambiente da sua cidade natal, Danzig (actualmente a cidade polaca de Gdansk), antes e durante a II Guerra Mundial.

Na Alemanha, o escritor discutiu ao longo da sua vida ideias com veemência, sobretudo as do chanceler Helmut Kohl sobre a reunificação alemã, mas sempre invocando argumentos “fáceis” e que cairiam bem a muitos, sobretudo os que receavam a mudança, argumentos como o de que a divisão alemã foi uma maneira de proteger a Alemanha de si própria e, ao mesmo tempo, uma espécie de punição pelo Holocausto: “[…] face a Auschwitz, o pretenso direito à unidade alemã, no sentido de uma nacionalidade reunificada, não pode senão fracassar”, escreveu num ensaio. De entre todas as afirmações feitas na época, a que esteve mais perto da “incorrecção” política talvez tenha sido a de pôr em causa a legitimidade democrática do Bundestag, o parlamento alemão, para decidir sobre a unificação.